Hospedagem de Menores de Idade na Hotelaria: Interpretação do ECA e Boas Práticas para o Setor

A hospedagem de crianças e adolescentes é um tema que desperta dúvidas constantes entre gestores e administradores hoteleiros. A questão envolve diretamente a interpretação dos artigos 82 e 250 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tratam das condições legais para a hospedagem de menores de idade.

Embora o objetivo da norma seja a proteção integral desses hóspedes, a leitura isolada dos dispositivos pode gerar interpretações restritivas e práticas equivocadas nos meios de hospedagem — especialmente em relação à necessidade de autorização ou presença de ambos.

O ECA dispõe:

Art. 82. É proibida a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsável.

Art. 250. Hospedar criança ou adolescente desacompanhado dos pais ou responsável, ou sem autorização escrita desses ou da autoridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere: Pena – multa.

A leitura literal desses artigos pode levar à compreensão de que seria exigida a autorização de ambos os pais ou mesmo a autorização expressa do genitor ausente, quando o menor estiver acompanhado apenas por um deles. No entanto, essa interpretação não reflete o entendimento consolidado pelos órgãos de proteção à infância.

Para pacificar a questão, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) publicou a Nota Técnica nº 01/2011, que esclarece: a hospedagem de criança ou adolescente acompanhada por apenas um dos pais é plenamente permitida, independentemente da autorização do outro.

O fundamento está no próprio artigo 21 do ECA, que estabelece que o poder familiar é exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe. Assim, a presença de um deles já supre a exigência legal para a hospedagem.

Além disso, o texto do art. 82 utiliza o plural “pais” de forma genérica, sem indicar que ambos devam estar presentes simultaneamente.

Logo, temos o seguinte cenário:

Menor acompanhado de um dos pais: a hospedagem é autorizada, desde que a filiação esteja comprovada documentalmente (por meio de certidão de nascimento ou documento de identidade).

Menor desacompanhado ou acompanhado por terceiros: é obrigatória a apresentação de autorização escrita assinada pelos pais (ou por um deles).

Em tais casos, a autorização deve ter firma reconhecida em cartório, visto que, em caso análogo referente a autorizações de viagem, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no julgamento da Consulta nº 0003850-52.2024.2.00.0000, afastou o uso de sistemas digitais como o GOV.BR, por não atenderem ao nível de segurança exigido.

Para garantir segurança jurídica e conformidade com o ECA, recomenda-se que os empreendimentos hoteleiros adotem as seguintes práticas:

  1. Cópia de Documentos: arquivar cópia da autorização (quando aplicável) e da certidão ou documento que comprove a filiação.
  2. Anexar à FNRH: incluir tais cópias na Ficha Nacional de Registro de Hóspedes (FNRH).

    Vale mencionar que tal procedimento não viola a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), pois estão amparados nos incisos II e VII do artigo 7º da lei — cumprimento de obrigação legal e proteção da vida ou da integridade física do titular (no caso, o menor).

A análise sistemática do ECA, somada à Nota Técnica nº 01/2011 do CONANDA, oferece um entendimento seguro e equilibrado para a hotelaria: a presença de um dos pais é suficiente para autorizar a hospedagem do menor, desde que a filiação esteja devidamente comprovada.

Nos casos de menores desacompanhados ou acompanhados por terceiros, a autorização escrita com firma reconhecida permanece como requisito indispensável.

Ao adotar controles documentais e arquivamento adequado das autorizações junto à FNRH, o estabelecimento cumpre suas obrigações legais, protege a integridade do menor e mitiga riscos jurídicos e operacionais — equilibrando o zelo pela segurança infantil com a experiência positiva do hóspede.

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